É interessante notar uma dicotomia bem interessante nos dias de hoje que se passa na população religiosa brasileira.
Parte dela se mantém intacta, com os mesmos preceitos de outrora. Muitos têm uma mentalidade bastante retrógrada, em geral, em relação aos gays, aos ateus, àqueles que crêem nas religiões africanas, a mulheres que querem ser independentes (e viver sem um companheiro) na sociedade. Alguns vão gritar nas Igrejas, outros nas ruas. Pregando, chamando para o culto, dizendo que somos uma sociedade de valores invertidos. São capitalistas, alguns se dizem liberais, embora tendam a ser menos laicos e muito intervencionistas. As contradições são variadas em um espectro que vai do mais conservador ao mais tolerante.
Porém, hoje existe um novo seguimento de religiosos "reformados" digamos, bastante "sui generis". São os religiosos socialistas. Bem, sabe-se da grande quantidade de evangélicos (também católicos praticantes, mas em menor quantidade) presentes nas universidades, faculdades de direito, cursos de ciências sociais, e muitos deles acabam absorvendo preceitos marxistas. Sabe-se que nesses cursos existe também um segmento marxista socialmente liberalizante, inclusive chegando ao outro extremo que defende a legalização de todas as drogas, relações poli amorosas, fumar, beber, perder o controle, contestar e contestar. Bem, parece que finalmente socialistas aprenderam a respeitar as minorias, pois antes tudo estava concentrado no campo proletário de relações de trabalho. Os marxistas aprenderam que podiam respeitar os gays, as feministas e os negros há pouquíssimas décadas, é o exemplo que aprendemos da URSS, de Cuba e da Coréia do Norte. Na Coréia do Norte, quase tudo que fuja à regra familiar, que seja contestador, é moralmente um tabu. Movimentos de minorias sempre começaram nos capitalistas EUA e na Europa, via de regra.
Mas voltando, o marxismo é historicamente ateu, e para os novos religiosos marxistas isso é um problema, eles mudam essa imagem. Frei Beto é um grande exemplo disso, ele tende a relacionar a luta de classes com a luta travada por Jesus por igualdade. Alguns já falam de Jesus Cristo como um grande revolucionário (e foi, de fato), praticamente um Che Guevara da vida... mas existem grandes diferenças. Jesus Cristo era um revolucionário da espiritualidade, da coerção através de idéias de paz, convivência, respeito. Não falava em pegar em armas, nem em algo parecido. Jesus não acreditava em governo ou em rei que pudesse mudar qualquer realidade, muito menos em uma elite do "rei" ou do "imperador", a atual elite estatal, que tivesse esse poder. Era sim coletivista, mas não tinha nada de socialista, até porque esta ideia só surgiu 18 séculos depois do seu nascimento.
Vejamos: eu, pessoalmente, me considero inclinado para o lado capitalista. Acredito que as pessoas podem ser boas, melhores. Também acho possível que os empregados não sejam explorados e que o patrão tenha um bom senso em seu respectivo negócio, acredito na filantropia e na caridade, na inciativa pessoal de ajudar os outros como uma forma incrível de melhoria das condições de quem precisa (e não sou cristão para dizer isso). Tudo isso se chama ética, e vem se perdendo. Enriquecer não é um crime, e o próprio luteranismo veio com essa ideia de reforma. A Igreja na idade média condenava o lucro, por isso não havia mobilidade social. Por outro lado, os senhores feudais viviam no luxo absoluto, gozando de tudo de melhor, apenas por terem nascido naquela condição, e outros que nasciam em categorias menores, eram renegados à pobreza vitalicia.
Foi graças à nascente burguesia urbana, que os feudos acabaram-se, que privilégios de nobreza se acabaram, que se criaram estados nacionais, que ocorreu a Revolução Inglesa, a Revolução Americana, a vitória do norte na Guerra Civil Americana, a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. Foi graças à busca por novas riquezas que o mundo mudou e, acredite, se tornou mais justo e igualitário. Pela primeira vez na história praticamente, ocorreu mobilidade entre classes. Não nego a função social do Marxismo que, muitas vezes, dentro de sociedades capitalistas, humanizou mais as relações e tornou deixou esse mercado mais equilibrado em relação aos que não puderam participar dele. Por vezes o estado atuou para ajudar os que mais precisaram e isso foi valido, criou-se o estado de bem estar social, etc.
O problema é que, hoje, quer-se acabar com o pilar de tudo isso, até dentro dos estados de bem estar social. O alvo é a busca por riquezas e, principalmente, fruto disso, por livre troca e livre comércio. Todas as sociedades que demonizaram o lucro, sejam elas marxistas ou muito antes da invenção dessa ideologia, faliram impreterivelmente, foram para o buraco economicamente e socialmente. Portugal e Espanha, extremamente religiosas, pararam apenas na acumulação de riquezas, deixaram de ser sociedades comerciais, seus membros passaram a viver apenas do que já tinham acumulado. No fim, ficaram para trás. Inglaterra, Alemanha e França prosperaram.
Tanto Alemanha, França e Inglaterra possuem um apoio estatal para os mais pobres bem estruturado, mas nenhuma delas abandonou o pilar do livre comércio, da capacidade de produção de riquezas, do incentivo à criatividade, à invenção, etc. Hoje até podemos ver um momento diferente e de possível mudança, mas deixemos para um outro post.
Acontece que este novo religioso, marxista, nada mais parece aquele cara da idade média, modernizado pela história. Critica o lucro, critica o capital, acredita que é o governo que tem que ajudar sempre (o que não deveria ser, o governo deveria apoiar no básico, no essencial, e a iniciativa deveria fazer a grande diferença). Criou-se uma classe religiosa estatal, com muitas semelhanças ao clero. O Estado, quanto mais forte, quanto mais poderoso, quanto mais centralizado, menos possibilidades de fazer o bem terá, mais possibilidades de ser tirano, cruel e ideologicamente dominador... Muitos desses novos religiosos também não vêm a homossexualidade, a independência da mulher, o divórcio e a laicidade do estado com liberdade de escolha pessoal com bons olhos. Essas idéias permanecem, com tudo que são reformados, com a mesma ideia moralmente restrita de família, mas agora a família é marxista, não tem mais propriedade privada.
Também a burguesia inventou o estado laico, o que pode desagradar alguns destes mais fervorosos.